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Para Anarleide Menezes e Mírian Oliveira.
E nessa de mudar as coisas que pertenceram a Jorge Amado de sua cultuada moradia para o primeiro piso e o foyer do Teatro Municipal— foyer é o hall de entrada onde os espectadores aguardam o início de uma apresentação —, não é que quase, quase ocorre uma fuga sem precedentes dos orixás?
É que os orixás estavam confinados naquela sala insalubre, do primeiro andar da Casa de Jorge Amado. Oxalá já havia protestado. Exu, com suas brincadeiras, ameaçou derrubar a todos, como num efeito dominó, já que viviam perfilados num cantinho meio escuro. Um convite à derrubada coletiva. O problema maior não estava somente no confinamento, mas no odor inável dos excrementos felinos que se espalhavam como perfume natural no ambiente. Mas que culpa tinham os gatinhos, pobres criaturas indefesas! O fato é que o piso, o telhado, as portas e as janelas abrigam indesejáveis moradores eussociais: os cupins!
E não é que um dia a intrépida a da Casa, viu-se naquele poço de mistérios quando parte do piso inferior cedeu? Naquele momento desesperador creu era chegada a sua hora. Mas Oxalá teve piedade e trouxe os paramédicos que a acudiram e ela ficou apenas com umas pequenas luxações.
Pois bem. E nessa, repito, de mudar as coisas, prepararam os elementos sagrados: leia-se Orixás, para o transporte. Os transportadores, homens-de-fino-trato, acostumados a virar as lixeiras do centro da cidade aos pontapés e cortar o mato que toma conta das ruas históricas a facão e enxada, foram pegando um, agarrando outro e socando nos sacos as peças delicadas criadas pelo artista plástico Osmundo Teixeira, o gênio itabunense da cerâmica que usa uma técnica milenar de casa de abelha que dispensa o uso de fôrmas.
E nessa de arrastar Oxum pra lá, Ogum pra cá, Iansã acolá, Ossanha de lá, Oxóssi e os outros, eis que a mãe de todos, a orixá das águas salgadas, dos oceanos e das marés que Ilhéus faz festa no dia 2 de fevereiro, deu uma balançada, se desprendeu das mãos dos homens-de-fino-trato e caiu. Eita!
Quando a tragédia se deu, um vento impetuoso, tibo arriba saia, arreganhou as janelas do primeiro andar e Iemanjá foi vista correndo pela Rua Jorge Amado — como fez Santa Bárbara na obra de Jorge Amado ao chegar ao cais em Salvador — e desapareceu.
E agora? Xangô disse que a justiça foi feita. Ao ver o mar, Iemanjá foi de encontro ao seu destino. Iansã foi cúmplice: o vento impetuoso, que levantou as saias das mulheres que cruzavam a rua, juntou os pedaços da mãe das marés e a levou para fora, foi obra dela. A Secretária recorreu a Ossanha, com as mãos a segurar o juízo, em busca de um chá que pudesse baixar sua elevada pressão arterial.
Por fim, no primeiro piso — do Teatro Municipal de Ilhéus — lá está a base vazia, em meio as demais, à espera de Iemanjá que, segundo Exu, prometeu voltar no dia do seu aniversário: 2 de fevereiro. Mas Obá já espalhou nos quatro cantos destas terras que ela só volta com as águas revoltas!
Toca o atabaque, porque o mar está em festa.